ESTACIONADO, CHERY QQ ESTOURA AIRBAG E FERE MOTORISTA


Chery QQ (Foto: Divulgação)

“Ouvi um estouro forte, acompanhado de muita fumaça. Quando me dei conta, estava com o corpo queimado”. É assim que administradora Ana Cândida descreve o momento em que o airbag do seu Chery QQ deflagrou involuntariamente no estacionamento de um shopping. Ela saía do trabalho em Itatiba, no interior de São Paulo, quando o incidente ocorreu. Ana conta que entrou no carro e, ao se posicionar para colocar o cinto de segurança, sem nem ao menos ter dado ignignição, o airbag estourou. O veículo estava estacionado e não houve qualquer tipo de colisão.


“Eu demorei um tempo para entender o que tinha acontecido. Num primeiro momento, pensei que o vidro tivesse estourado. Apenas o airbag do lado do motorista foi acionado”, lembra. Dali, ela partiu para o hospital, onde ficou internada por um dia para tratar das queimaduras de segundo grau que teve no pescoço e nos braços, provocadas pelo acionamento do airbag.

Motorista teve queimaduras após acionamento indevido do airbag (Foto: Arquivo Pessoal)
O veículo foi levado para a concessionária autorizada Yang, em Jundiaí. A loja fez o reparo do airbag em 24 horas. “Os funcionários não me deram uma explicação sobre o que teria motivado o estouro da bolsa. Quando pedi que eles discriminassem por escrito o que teriam feito no carro, eles se negaram. Não retirei o carro, estou com medo de acontecer algo parecido novamente. Não quero mais esse modelo, perdi a confiança”, explica Cândida, que pequeno chinês há dois anos. Tivemos acesso à ordem de serviço emitida pela loja. No documento, consta apenas que o “veículo acionou airbag esquerdo sem nenhum impacto frontal”.

A reportagem levou o caso ao conhecimento da Chery. Em nota, a montadora informou que lamenta o ocorrido e que já tomou todas as providências para que o veículo fosse reparado. “A proprietária já foi informada algumas vezes sobre a conclusão do conserto, porém, ainda não retirou o veículo, pois aguarda orientação de seu advogado”, diz a marca, que não comentou sobre os danos físicos e psicológicos à sua cliente.

“O veículo foi analisado por técnicos da Chery Brasil e todos os componentes que incorporam o sistema de airbags foram substituídos. Estes estão sendo analisados pela Chery Brasil, Chery China e seus fornecedores. As causas da falha estão sendo analisadas para um melhor entendimento do fato ocorrido”, afirmou a marca, ainda por meio de nota.

Questionamos a montadora sobre quais seriam esses componentes e se nós, assim como a compradora, poderíamos ter acesso aos mesmos. A Chery informou, então, que “reserva-se no direito de divulgar os detalhes pertinentes ao caso somente no momento em que for identificado o que provocou o incidente”. Até o fechamento desta reportagem, a causa ainda não havia sido identificada, mas atualizaremos assim que a marca chinesa se manifestar.

Chery QQ (Foto: Divulgação)
Causas
De acordo com o professor de Engenharia Mecânica da FEI, Edson Esteves, um problema em uma peça específica ou uma falha técnica de projeto poderiam ter ocasionado o acionamento indevido da bolsa. “Outra possibilidade é a de que o carro tenha sofrido alguma alteração em sua característica original. Um sistema de alinhamento de direção ou a instalação de um alarme, por exemplo, podem danificar o sistema do airbag”, exemplifica o professor. Ele recomenda que os motoristas façam revisões regulares no módulo do airbag para garantirem o funcionamento do item de segurança.

O perito Raphael Martello, da Dynamics, empresa especializada em perícias de acidentes de trânsito, diz que o incidente não é tão incomum. “Já ouvi alguns relatos de problemas parecidos, mas só atendi um caso assim até hoje. Foi um Palio Weekend cujos airbags também se deflagraram sem motivo”, conta Martello. O episódio com o carro da Fiat aconteceu em 2001. Na época, a montadora italiana realizou um recall envolvendo 60 mil unidades da linha Palio após relatos de motoristas que sofreram lesões por acionamento espontâneo do airbag. A marca substituiu o sistema de drenagem e da caixa de ar dos automóveis envolvidos.

Airbag não pode causar queimaduras
Esteves, da FEI, pondera que o acionamento do airbag numa condição legítima (em colisões frontais com forte desaceleração) pode, sim, machucar os ocupantes. “O impacto é muito forte. Por isso é muito importante manter uma postura adequada ao dirigir, minimizando o risco de uma lesão grave. Mas, de qualquer maneira, o acionamento do airbag não pode causar queimaduras no motorista. É preciso identificar se elas foram provocadas pelo atrito do material do airbag com o corpo ou por algum gás tóxico”, ressalta. De acordo com Ana, a equipe médica não conseguiu precisar com exatidão a causa das lesões.

Chery QQ (Foto: Divulgação)
 
Confiança na berlinda
A falta de confiança na qualidade do produto da montadora chinesa não é assunto novo. Em 2006, o compacto QQ foi submetido a um teste de colisão realizado pela revista russa Auto Review, que elabora as avaliações utilizando as mesmas regras do renomado Euro NCAP, órgão que avalia a segurança dos carros na Europa. O resultado foi desastroso. Ainda sem airbags e freios ABS (itens presentes na atual versão vendida no Brasil), o carro mostrou que, em caso de uma batida frontal, o motorista poderia ter lesões graves na região da cabeça, pescoço, tórax e pernas. Na ocasião, o veículo ainda demonstrou uma falha estrutural, após a porta do motorista abrir com o impacto da colisão. O compacto ficou completamente deformado. Até hoje, o QQ não foi submetido ao teste do C NCAP, que mede a segurança dos automóveis na China, terra natal da Chery.
No Procon (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor), a maioria dos registros contra a Chery está relacionada a produtos entregues com danos ou defeitos. O mesmo acontece no site Reclame Aqui, que reúne queixas de consumidores sobre produtos e serviços diversos. Por lá, os usuários classificaram a montadora como “não recomendada”. São frequentes os relatos de falhas mecânicas e falta de peças. Num universo de 450 reclamações registradas, o índice de solução é de 38,8%. Apenas 15,9% dos clientes voltariam a fazer negócio com a marca.

A Chery tem consciência do estigma que não só ela, mas como outras montadoras chinesas enfrentam no Brasil. Uma das jogadas para mudar esse cenário é a nacionalização de seus produtos. A marca está erguendo uma fábrica em Jacareí, no interior de São Paulo, de onde sairão o QQ e o Celer. O grupo diz que os carros fabricados por aqui terão qualidade superior de acabamento e que seus veículos estarão em condições de disputar espaço com as marcas já consolidadas no país. A previsão é de que os primeiros modelos brasileiros sejam entregues em 2015. A marca ainda lançou no mês passado um lote especial do QQ com preço promocional de R$ 19.990, valor que o consolida como o carro mais barato do Brasil.

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