Eu tenho um transgênero
Desde que entrou no mercado, há 16 anos, o pequeno SLK da Mercedes tem sido o único carro “transgênero”. Mesmo tendo nascido com pomo de Adão, vestindo calça e treinado para usar mictório, sempre foi tão feminino quanto um quarto rosa cheio de bichinhos de pelúcia. Se fosse o presidente da Mercedes-Benz, eu teria ficado feliz com isso. Eu teria aceitado que o carro era uma mocinha e trocado seu nome para Coelhinho Fofo ou algo do tipo. Eu o teria oferecido em uma série de cores pastel e contratado Stella McCartney para desenhar uma linha de tecidos para o interior.
Mas não. A Mercedes não pôde aceitar que sua criança tinha um passinho delicado. Por isso ele cresceu, a empresa colocou um enorme V8 sob seu capô e mudou o som do seu escapamento de Barbra Streisand. Isso foi injusto e pouco inteligente – é como forçar Freddie Mercury a pegar um trabalho de pedreiro.
Audaciosamente, a Mercedes chamou o novo modelo de SLK 55 AMG e mandou-o para o mundo com uma mensagem simples. “Novo visual. Nós lhe demos virilidade. Vá em frente e use-a.” Isso certamente me seduziu, porque eu comprei um. É claro que meus colegas acharam que eu tinha perdido o juízo e riram na minha cara. Da mesma forma que em todo posto de gasolina as pessoas apontavam e sugeriam que meu salão de beleza deveria estar indo muito bem. O enorme volume na dianteira e o som de barítono na traseira não enganaram ninguém.
Mas eu não me importava, porque gosto de carros pequenos. Eu gosto de conversíveis. Gosto de motores grandes. E o SLK era o único do mercado que atendia a todos esses três requisitos – e mais alguns. Ele tinha câmbio automático e, embora fosse rápido, áspero e brutal, vinha com todos os refinamentos comuns em um Mercedes, incluindo DVD player, TV, bancos elétricos, piloto automático e aí por diante. Era uma beleza na cidade, brilhante em um dia de sol, fácil de estacionar, rápido como um cometa, bonito, empolgante, barulhento e tremendamente divertido. Quem se importava se ele gostava de musicais e ia para cama à noite usando a calcinha da irmã? Eu até escolhi o meu na cor preta.
Mas a Mercedes ainda não estava satisfeita. Ela sabia que, quando não estava olhando, seu pedreiro passava o tempo todo assistindo à cena do chuveiro do filme Top Gun. Por isso, com seu substituto a empresa teve uma crise de loucura. O carro tem os quadris de uma hiena, o focinho de um carro de corrida, recortes, tomadas de ar e garras. É um machão de perfil baixo, corpulento e de alta octanagem.
Vamos começar pelo motor. Em essência, é o mesmo 5.5 que equipa outros AMG maiores, só que não é turboalimentado. Não imagine, porém, que a falta do turbo signifique que, ao abrir o semáforo, você ficará balançando para cima e para baixo no seu assento, tentando invocar alguma potência adicional. Graças a novos dutos de admissão, novas cabeças de cilindros e um comando de válvulas modificado, você é apresentado a 416 cv. São 60 cv a mais que no SLK 55 antigo – e, em um carro desse tamanho, significa que o desempenho beira o insano. No entanto, como o novo motor é equipado com um dispositivo que desativa dois ou quatro cilindros quando não são necessários, ele faz 14 km/l.
Dirigibilidade? Bom, vamos ser claros nisso: se quer agilidade e delicadeza, compre um BMW. Em linha reta, um AMG pode acompanhar facilmente qualquer coisa feita pela divisão M da BMW. Mas nas curvas o Mercedes fica bem para trás. Isso não é uma crítica. Como o Mercedes não consegue domar as leis da física tão bem quanto um modelo M, ele deixa as coisas bem mais divertidas. Os BMW recompensam sua habilidade. Mercedes rápidos o fazem sorrir.
E é assim com o SLK. A Mercedes poderia ter feito uma sintonia fina na cambagem e perfurado os discos de freio. O pequeno conversível pode ter toda uma parafernália de corrida, mas continua sendo um carro com que você tem de brigar se quiser tirar o máximo dele. É um esportivo que fica mais feliz quando está derrapando ligeiramente.
Do lado de dentro, no entanto, não há qualquer evidência disso. O câmbio é um automático correto. O rádio é digital. Os encostos de cabeça são equipados com dutos que levam ar quente para seu pescoço. A unidade que dirigi vinha até equipada com um dispositivo que sugeria quando eu deveria parar e tomar uma xícara de café. No entanto, embora haja melhoria em relação ao anterior, também há um passo atrás. Se você empurrar o assento totalmente para trás, o couro esfrega no anteparo traseiro e guincha sempre que você passar por uma ondulação da pista. É bem incômodo.
Parece, então, que o novo carro é bem parecido com o antigo, embora um pouco mais rápido e bem mais econômico. Lamento, mas isso não é bem o que ocorre. O problema é: onde está o som? O antigo crepitava quando você dava a partida, rugia quando estava em movimento e tiquetaqueava quando parado. E sem essa trilha sonora a emoção foi embora. Significa que você nunca fica propenso a pisar fundo. Eu passei minha semana com o carro andando devagar. Em um certo momento, descobri-me fazendo 100 km/h na estrada. Certa noite, em uma rodovia de Burford, em Oxfordshire, fui ultrapassado por um Fiat 500.
Na verdade, ele deveria vir com um chicote e um dispositivo que dissesse ao motorista para parar e mandar um Red Bull goela abaixo. Às vezes eu realmente tentava ir um pouquinho mais rápido, mas isso quase não trazia emoção e, assim que parava de me concentrar, eu voltava para o modo Peugeot.
Então, vem a grande pergunta: custando 54 965 libras (180 000 reais), o novo SLK 55 é mais barato do que eu esperava. Mas por que pagar tudo isso por algo que não arrepia os pelos da sua nuca? Se você quiser um conversível para andar tranquilo, por que não comprar uma das versões com motor menor, muito mais baratas? É porque essas versões são para mulheres? Está bem. Então, por que não um BMW Z4? É um carro bastante subestimado. Menos de 40 000 libras (131 000 reais) por um motor biturbo de 3 litros, ele tem o mesmo teto rígido conversível do Mercedes, mas é mais bonito e tem dirigibilidade superior. Ah, e tem mais uma coisa. É o único carro do mundo que foi desenhado por mulheres. Eu gosto muito.
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